Sobre a nova Steam Machine

A nova Steam Machine

Olá amiguinhos, como vocês estão?

Essa semana, um bom bocado de pessoas foi pega de surpresa pelos recentes anúncios da Valve no mercado de hardware. Eu, particularmente, não tinha ouvido falar de nenhum movimento da empresa nessa direção, exceto que eles estavam desenvolvendo uma nova geração de produtos de VR/AR (codinome Deckard). Nem nos meus sonhos mais exóticos eu imaginaria que eles lançariam, adicionalmente, um novo controle de videogame e, mais importante, um híbrido entre PC e console.

De todos os lançamentos, a nova Steam Machine foi a que mais me chamou a atenção. A possibilidade de ter um videogame que, ao mesmo tempo, é um desktop Linux rodando num hardware de respeito me fez querer comprar o produto imediatamente. Imagina fazer uma pausa no trabalho, pegar o Steam Controller e retomar o jogo que estava em hibernação do exato ponto em que você tinha parado, de maneira fluida e natural?

E eu realmente acredito que há fatores suficientes para classificar a nova Steam Machine como um sistema híbrido, em vez de categorizá-la apenas como um PC que roda joguinhos. Vamos a eles:

Fator #1 - SteamOS

O SteamOS é o sistema operacional da Valve baseado no Arch Linux. Ele é capaz de rodar dezenas de milhares de jogos para PC por meio de uma série de tecnologias desenvolvidas ou aperfeiçoadas pela Valve. Em especial, destaca-se o Proton, que permite executar jogos desenvolvidos exclusivamente para Windows no Linux 🐧

Mas a grande sacada do SteamOS, a meu ver, é que ele não tenta se firmar como um sistema exclusivo para jogos, renegando as suas potencialidades como ambiente desktop. Ele abraça essa multitude de possibilidades e oferece uma experiência de uso completa. Tudo o que você faria no Arch Linux, rodando o KDE, pode ser feito no SteamOS: ferramentas de produtividade, navegação na web ou desenvolvimento de software; está tudo lá. Basta abrir o Discovery ou o Konsole e instalar tudo o que você precisa. Ora, você pode até mesmo rodar o cliente Steam no modo desktop e jogar seus joguinhos em modo windowed, se assim desejar.

A Valve adverte que os usuários não devem considerar o SteamOS como um substituto de sistemas operacionais tradicionais, mas eu creio que esse aviso se deve mais ao fato de que os únicos dispositivos que rodam o SteamOS atualmente são portáteis, com diversas limitações de desempenho, do que a limitações técnicas inerentes ao Linux como sistema de uso doméstico.

Contudo, o SteamOS já é um excelente sistema operacional no Steam Deck. Eu tenho amigos que usam o modo desktop para fazer trabalho sério. Agora, imaginem o SteamOS rodando sem as amarras de uma bateria, em um hardware 6x mais potente do que o da versão mais recente do Steam Deck?

Fator #2 - Hardware Customizado

A Valve resolveu seguir um caminho “semi-customizado”, a mesma abordagem adotada no Steam Deck e em praticamente todos os videogames disponíveis no mercado. Por dentro, a Steam Machine utiliza uma configuração AMD personalizada que conta com uma CPU Zen 4 de 6 núcleos com clock de até 4,8 GHz, combinada com uma GPU RDNA 3 com 28 unidades de computação e 8 GB de VRAM GDDR6. O conjunto oferece até seis vezes o desempenho de um Steam Deck, com a Valve prometendo jogos fluidos em 4K a 60 fps graças ao upscaling FSR 3 da AMD.

As configurações completas são as seguintes:


  • CPU: AMD Zen 4 6C / 12T, até 4.8 GHz, 30W TDP

  • GPU: AMD RDNA3 28CUs, 2.45GHz clock máximo sustentado, 110W TDP

  • RAM: 16GB DDR5 + 8GB GDDR6 VRAM

  • Alimentação: Fonte interna, AC 110-240V

  • Armazenamento: Dois modelos de Steam Machine:

    • 512GB NVMe SSD

    • 2TB NVMe SSD

    • Ambos os modelos incluem slot para cartão microSD de alta velocidade

  • Wi-Fi: 2×2 Wi-Fi 6E

  • Bluetooth: Bluetooth 5.3 com antena dedicada

  • Steam Controller: Adaptador wireless integrado 2.4 GHz para Steam Controller

  • Displays:

    • DisplayPort 1.4

      • Até 4K @ 240Hz ou 8K @ 60Hz

      • Suporta HDR, FreeSync e daisy-chaining

    • HDMI 2.0

      • Até 4K @ 120Hz

      • Suporta HDR, FreeSync e CEC

  • USB:

    • Duas portas USB-A 3.2 Gen 1 na frente

    • Duas portas USB-A 2.0 High speed atrás

    • Uma porta USB-C 3.2 Gen 2 atrás

  • Rede: Gigabit Ethernet

  • LED Strip: 17 LEDs RGB individualmente endereçáveis para status do sistema e customização

  • Dimensões: 152 mm de altura (148 mm sem pés), 162.4 mm de profundidade, 156 mm de largura

  • Peso: 2.6 kg


Percebam que todos os demais componentes são comuns (COTS - Commercial Off-The-Shelf), ou seja, obtidos diretamente do mercado (como a memória RAM e o armazenamento). Customizando apenas os componentes principais para uma melhor experiência de uso, a Valve consegue, entre outras coisas, otimização extrema, além de manter os custos e a margem de lucro em patamares aceitáveis, sem sacrificar os gráficos nem a performance do sistema.

Desenvolver o próprio cérebro e o coração da Steam Machine, em vez de depender de componentes prontos do mercado, é, a meu ver, uma decisão acertada. Isso tende a resultar em um produto que pode ser drasticamente mais rápido do que qualquer solução genérica montada com peças disponíveis. Um exemplo emblemático são os chips da Apple, projetados especificamente para seus dispositivos, oferecendo um desempenho por watt que os concorrentes que usam componentes padrão lutam para igualar.

Falando em Apple 🍎…

Fator #3 - Ecossistema

Converse com qualquer fã da Apple sobre as vantagens de ter um Macbook Pro em comparação com um ThinkPad ❤️ e você inevitavelmente ouvirá: “É que tudo funciona. Essa percepção (real, diga-se de passagem, mas amplificada pelo famigerado campo de distorção da realidade de Cupertino) está diretamente ligada ao fato da Apple controlar um ecossistema formado pela tríade nuclear do mundo da tecnologia: software (a parte que você xinga), hardware (a parte que você chuta) e serviços (a parte que você paga todo mês).

Até mesmo Google e Microsoft entenderam que há vantagens em rodar software customizado em hardware feito sob medida para potencializar vantagens competitivas, incluindo serviços, que geram uma fonte de renda contínua e “amarram” os clientes em seus próprios jardins murados.

O grande pulo do gato de um Steam Deck não tem a ver com o seu form factor, nem com a potência do seu processador ou chip gráfico. A grande vantagem competitiva está no ecossistema oferecido pela Steam Store, que amarra lindamente o hardware e o software distribuídos pela Valve em uma solução fácil de usar e de consumir.

A Valve conseguiu fazer o que as empresas de streaming prometeram, mas nunca cumpriram: acabar com a pirataria 🏴‍☠️. Hoje, dá mais trabalho baixar um jogo pirata do que simplesmente ir à Steam Store e comprar o jogo, seja no dia de lançamento (pagando o preço cheio) ou em uma das muitas promoções anuais da loja, com um belo desconto.

Mas não é apenas a facilidade de uso ou os preços que fazem da Steam Store um caso de sucesso. O sistema de recomendações e de descoberta de novos jogos é provavelmente um dos mais poderosos da indústria. Com base no seu histórico de jogos, na sua lista de desejos e no que seus amigos estão jogando, a Steam oferece recomendações incrivelmente personalizadas para os jogadores.

Falando neles, a comunidade que a Valve construiu também é impressionante. Por exemplo, os Steam Workshops são um diferencial colossal em certos jogos. Eles funcionam como um hub integrado para a comunidade, onde você pode baixar e instalar facilmente mods, mapas, skins e outros conteúdos criados por usuários diretamente da loja, estendendo a vida útil dos jogos de forma incrível. Jogos como The Elder Scrolls V: Skyrim, Counter-Strike 2 e RimWorld têm comunidades enormes e ativas no Workshop.

As barreiras para desenvolvedores indies também são infinitamente menores na Steam Store do que nas lojas online dos sistemas concorrentes (em especial os da Sony e da Microsoft), então a quantidade de gêneros e estilos de jogo é muito maior na Steam do que na PlayStation Store ou na XBox Store, respectivamente.

Em suma, o verdadeiro diferencial da Steam não reside em especificações técnicas isoladas, mas na integração magistral de um ecossistema completo. Ao unir uma plataforma de distribuição eficiente, preços competitivos, recomendações personalizadas, ferramentas robustas para criadores de conteúdo e baixas barreiras de entrada para desenvolvedores independentes, a Valve criou algo raro na indústria: um jardim murado onde os usuários querem permanecer.

Expecativas

Por décadas, o movimento FOSS (Free and Open Source Software) sonhou em colocar o Linux nas mãos do usuário comum. Inúmeras distribuições tentaram tornar o "ano do Linux no desktop" uma realidade, mas sempre esbarraram no mesmo problema: a experiência do usuário e, principalmente, a compatibilidade com jogos.

A Valve conseguiu algo que parecia impossível: fazer milhões de pessoas usarem Linux sem nem perceberem. O Steam Deck e o SteamOS representam um cavalo de Tróia brilhante para o software livre. Ao criar um console portátil baseado em Arch Linux que "simplesmente funciona", a Valve derrubou o maior mito da indústria — o de que Linux não serve para jogos.

Agora, com um sistema desktop completo, a Valve pode ser o vetor de uma nova revolução na computação pessoal: computadores potentes, relativamente baratos, que rodam Linux e simplesmente funcionam 🚀. Oferecendo uma experiência superior que, por acaso, roda em software livre. Esta poderá ser uma vitória estratégica crucial para o FOSS, capaz de definir os próximos anos de toda a indústria e de conscientizar toda uma geração sobre as vantagens técnicas e filosóficas de adotar o Linux e outras ferramentas de código aberto ou livre.

A Valve provou que há outras maneiras de doutrinar as pessoas sobre a filosofia do código aberto — basta criar algo tão bom que elas escolham usar naturalmente.

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