A saga do homelab

Capítulo de hoje: origens

Gostaria de começar o texto dessa semana com uma pergunta: o quão indispensável é a nuvem no seu dia a dia? Para mim, ela já foi mais essencial em anos pregressos do que agora.

Convido os meus leitores a fazerem um exercício bem simples: peguem a sua fatura de cartão de crédito e contem quantos serviços online vocês assinam. Multiplique-os por 12. Divida-os pela quantidade de horas usadas em cada um dos aplicativos “plus” e “premium” instalados no seu celular.

Já estão deprimidos? 🥀

Você não assiste nem um filme por semana, rapá!

Una isso ao fato de que nós, profissionais de TI, precisamos com alguma frequência de criar laboratórios para estudar novas tecnologias, e que com uma conta na Azure e um pouco de Terraform você pode instanciar uma infinidade de pequenos ambientes de teste e provas de conceito em apenas alguns segundos. Porém, deixe esses recursos criados por mais tempo que o necessário e você tem a receita certa para que o Nubank passe a te chamar de “amigo” ao invés de “cliente”.

Não seria mais interessante ter a possibilidade de rodar parte dessas cargas de trabalho e serviços em um ambiente local, com toda a segurança e flexibilidade que a nuvem provê, a uma fração do custo?

Então por que não montar um homelab?

Um homelab é um ambiente de laboratório pessoal montado em casa, composto por hardware e/ou software que permite experimentar e aprender sobre diversas tecnologias de forma prática e controlada.

Na minha opinião, um homelab pode ser tão simples quanto um computador antigo reutilizado ou tão complexo quanto um rack com múltiplos servidores, switches e outros equipamentos. O essencial é que seja um espaço dedicado onde você possa:

  • Experimentar com sistemas operacionais, virtualização e containers.

  • Configurar redes e serviços como DNS, DHCP, firewall.

  • Implementar soluções de armazenamento (NAS) e backup.

  • Testar aplicações e serviços em ambiente isolado.

  • Aprender sobre segurança de redes, automação e infraestrutura como código.

E uma vez que você já possui a infraestrutura montada e funcionando, nada impede que você rode no seu servidor alguns serviços menos críticos de forma a economizar alguns trocados!

Nessa nova série de artigos, eu vou explorar o passo a passo de como eu criei o meu homelab: do hardware ao software, das configurações aos problemas encontrados - todas as dicas e truques de modo que você possa escolher quais aspectos adotar no seu próprio ambiente.

Um adendo: existe uma diferença filosófica entre um homelab e um homeserver, e vocês devem ter percebido que o meu ambiente local possui um uso híbrido que pode não ser adequado caso você esteja procurando executar algum serviço específico focado em produção e estabilidade para uso contínuo. Se você preza por confiabilidade e disponibilidade em tarefas específicas como armazenamento de arquivos (NAS), servidor de mídia ou hospedagem web, por exemplo, considere construir um servidor dedicado para isso.

Esse artigo também não é um endosso a pirataria (meu advogado me pediu para incluir essa linha). Mas como diz o poeta:

Se comprar não é ter, piratear não é roubar
— Poeta, o

Posto isso, vamos começar com o básico: rede.

Minha configuração de rede

Um dos objetivos que me coloquei antes de configurar o homelab foi simplificar e atualizar a minha rede doméstica. Eu uso em casa uma solução de rede em malha (mesh network) da TP-Link chamada Deco.

Parecem suspiros, mas são equipamentos de rede.

Ter uma rede em malha não é um pré-requisito para um bom homelab, mas ela ajuda bastante em alguns aspectos práticos do gerenciamento de redes:

  • Cobertura ampliada e uniforme: distribui o sinal de forma mais abrangente, eliminando pontos mortos em residências maiores (o meu caso de uso concreto).

  • Facilidade de expansão: você pode adicionar novos nós à rede conforme necessário, ampliando a cobertura sem necessidade de cabos adicionais.

  • Recuperação automática: se um nó da rede falhar, o tráfego é automaticamente redirecionado por outros caminhos, aumentando a resiliência.

  • Gerenciamento simplificado: oferece uma interface única (single panel of glass) para configurar e monitorar toda a rede; no caso da Deco, eles possuem aplicativos para iOS e Android, e ambos são muito bons.

  • Transição suave entre ambientes: permite que dispositivos móveis mudem automaticamente para o nó com sinal mais forte conforme você se move pela casa.

  • Balanceamento de carga: distribui o tráfego de rede entre os diferentes nós, evitando congestionamentos.

  • Instalação mais simples: sistemas mesh como o Deco são projetados para configuração intuitiva, sem necessidade de conhecimentos técnicos avançados (mais sobre isso nas próximas linhas).

  • Melhor desempenho para IoT: suporta melhor um grande número de dispositivos conectados simultaneamente, ideal para casas “inteligentes”.

Como disse, nenhum desses aspectos é estritamente necessário para um homelab. Mas eu precisava resolver alguns dos itens elencados acima de qualquer jeito, então aproveitei a oportunidade, arregacei as mangas e resolvi encarar esse upgrade.

A minha topologia de rede original era formada por quatro dispositivos; dois Deco M9 Plus e dois Deco M4R. Um dos M9 Plus era o nó central e ficava no corredor da casa, e os outros satélites estavam espalhados pela casa: escritório (M9 Plus), sala de estar (M4R) e suíte (M4R).

“Tudo parece bem” - disse ele antes da catástrofe se anunciar.

Apesar da minha rede em malhar estar funcionando perfeitamente, tanto o M9 Plus quanto o M4R estão sendo descontinuados pela Deco. Isso significa que eles não mais receberão correções de segurança ou novos firmwares. Além disso, eu precisa de mais algumas portas GbE para a conexão dos servidores - o M9 Plus só possui duas portas, e uma dela é usada pelo uplink entre o modem e o Deco, ou seja, não existia muito espaço para expansões cabeadas, ao menos.

Como diversos dispositivos em casa já são Wi-Fi 6E, resolvi implementar uma solução à prova de futuro e substituí todos os dispositivos de casa por dois Deco BE65:

Parecem rolos de papel higiênico, mas são equipamentos de rede.

Se você quiser dar uma olhada nas especificações técnicas da solução, você pode encontrá-las aqui. Basta dizer que em teoria a banda total pode chegar a burlescos 11 Gbps, o que não é uma banda e sim um Lollapalooza inteiro.

O aplicativo Deco para Android possui um guia passo a passo de como fazer a substituição dos equipamentos sem disrupções na rede e sem a perda das configurações; coisas como nome dos dispositivos, a que membro da família ele pertence, perfis de utilização (normal, streaming, jogos online, etc) e principalmente a reserva de IPs e encaminhamento NAT dos serviços que eu já possuía configurado na rede.

É claro que o assistente falhou e eu perdi todas as minhas configurações 🥲

No final, eu acabei ficando com duas redes capengas:

  • Em uma das redes, um dos BE65 ficou ativo e todos os M9 Plus e M4R ficaram desconfigurados.

  • Na outra rede, o outro BE65 ficou desativado e todos os outros dispositivos estavam configurados.

Como ambas as redes estavam configuradas para usar o mesmo SSID (Service Set Identifier, o nome da rede), os dispositivos ora se conectavam a rede com acesso a internet e ora a rede sem acesso a internet, causando uma verdadeira bagunça que impediu todo mundo aqui em casa de acessar a Netflix. Não preciso nem dizer que minha esposa e filha não gostaram nem um pouco dessa interrupção.

Depois de perceber o problema, removi todos os dispositivos legados da tomada, de modo a só ter os BE65 energizados e conectados a rede. Como eu já tinha perdido todas as configurações mesmo, resolvi recriar a rede do zero, aproveitando o momento para configurar algum tipo de isolamento entre dispositivos/casos de uso. A minha configuração atual ficou da seguinte maneira:

Simplicidade é tudo, meus amigos!

  • Uma rede em malha com dois BE65, um deles atuando como nó central e localizado no corredor da sala, e um satélite posicionado no escritório. O nó central possui alcance suficiente para chegar na sala, na cozinha e na suíte, e o resto da casa é servida pela unidade satélite.

    • Conectado ao Deco principal via uma das portas 2.5 Gbps, o bare metal que usei para ser o primeiro host do meu cluster Proxmox (mais sobre isso nos próximos capítulos da saga).

  • Três novas redes Wi-Fi: além das redes 2.4GHz e 5GHz (aglutinadas em um único SSID), agora temos uma rede 6GHz e uma rede MLO (Multi-Link Operation), sem contar uma rede exclusiva para os dispositivos IoT como as lâmpadas de casa e outros dispositivos inteligentes.

Felizmente eu tenho um documento no Obsidian com todas as configurações de rede que eu perdi durante a migração. Deu um pouco de trabalho, mas aos poucos eu consegui reconfigurar tudo direitinho.

O mais broxante foi descobrir que existia uma opção de backup nativa no aplicativo Deco:

Só Deus salva, afinal ele leu o manual.

Por isso, fica aqui a primeira dica para você, querido homelabber (sim, essa palavra existe): se você já tem uma infraestrutura montada e deseja ampliá-la ou modernizá-la, não deixe de fazer o backup de tudo! Se você não encontrar a opção de backup, procure novamente e ative-a!

No próximo artigo, eu irei explicar o que é Proxmox e como você pode configurá-lo de modo a ter o seu próprio datacenter em casa.

Só para dar um gostinho do tanto de coisa que eu tenho para falar sobre esse tema, deem uma olhada em como está o homelab atualmente:

Esse gavião foi o meu sogro quem fez!

Apenas o servidor PVE1 (o de baixo) está ativo no momento, mas é apenas uma questão de tempo até que uma nova extensão elétrica seja instalada.

O que já tenho implantado no meu datacenter:

VMware feelings!

Um grande abraço e até semana quem vem!

By the way: eu passei na prova de certificação!

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